República para todos!
Nada justifica a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) não prestar contas ao TCU (Tribunal de Contas da União). Não existe ninguém acima da República ou da Constituição, e prestar contas é o primeiro e mais básico dever de quem gerencia recursos compulsoriamente arrecadados.
Alega-se que ela é uma entidade sui generis, que não integra a administração pública, essencial à Justiça, defensora da democracia, guardiã dos direitos da cidadania, dotada da capacidade de propor ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no STF, diferente dos demais órgãos de fiscalização profissional etc.
Nada disso, isoladamente ou em conjunto, é motivo para não prestar contas de recursos coletados compulsoriamente de todos os que queiram exercer a advocacia.
Todos os conselhos profissionais prestam contas, menos a OAB. Como eles, a OAB exerce poder estatal de polícia, fiscalizando e determinando quem pode ou não advogar, assim como o CFM fiscaliza o exercício da medicina e determina quem pode ou não atuar como médico. Também o CFM pode propor ADI perante o STF e também é guardião de valores fundamentais como a vida e a saúde; nem por isso, deixa de prestar contas das anuidades cobradas de todos os médicos.
Ser essencial à Justiça e defender direitos da cidadania, como a liberdade e a própria democracia, não é exclusividade da OAB. O Ministério Público e a Defensoria Pública compartilham essa mesma nobre missão, e prestar contas ao TCU não lhes retira nada de sua independência e autonomia para exercer seu múnus público com a mais ampla liberdade.
Que dizer, então, da própria Justiça e do STF? Guardião máximo da Constituição e fiador da democracia, cumpre ao STF dirimir os mais delicados e decisivos conflitos da República, velar pela ordem democrática e pelo Estado de Direito, ser o depositário fiel da confiança da sociedade na força normativa da Constituição e no império da lei.
No entanto, vejam só, o STF presta contas republicanamente ao TCU de cada centavo que a sociedade põe à sua disposição para suas atividades, e isso nada o diminui ou prejudica; antes, o engrandece e aumenta sua legitimidade.
Curioso é que, quando se trata de usufruir de privilégios próprios da administração pública, a OAB não se faz de rogada. Acha ótimo gozar de imunidade tributária e considera perfeito usar a Justiça Federal para cobrar inadimplentes de anuidades cujos valores ela mesma estabelece e impõe, graças à parcela de poder estatal que lhe é confiada. Para ela, tudo isso pode. Só prestar contas é que não pode.
Apega-se a OAB a precedente do antigo Tribunal Federal de Recursos, anterior à CF/88, e ao que disse o STF em 2006 no julgamento da ADI 3.026/DF. Em vias de examinar a ADI 5.367/DF, o STF tem agora excelente oportunidade de rever esse entendimento, que colocou a OAB sobrepairando soberanamente acima do bem e do mal e das instituições da República, única instituição a não prestar contas de quanto arrecada e de como o gasta.
Nenhuma nota distintiva da OAB, real ou imaginária, justifica que ela goze dos benefícios de quem desempenha parcela do poder estatal e não se submeta ao ônus glorioso de revelar à sociedade como realiza seus gastos, por meio da prestação de contas ao órgão criado justamente para isso, o TCU.
Pelo contrário, em razão mesmo de sua posição institucional, da respeitabilidade inconteste, da missão de defesa da República e da ordem jurídica, a OAB, em vez de lutar pelo privilégio odioso de não prestar contas, deveria dar exemplo, fazendo questão não só de prestar contas ao TCU, como também de divulgar na internet, detalhadamente, todos os seus gastos. República é isso!
Júlio Marcelo de Oliveira
Presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON) e Procurador do Ministério Público de Contas junto ao TCU (Tribunal de Contas da União).
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